Rubens Gerchman | Espaço-tempo | 28 jan - 17 mar 2016

Como um eterno retorno. A carreira de um dos mais importantes artistas contemporâneos brasileiros foi como a vida: de tempos em tempos, ele retomava um determinado assunto, anos depois de seu início, em suportes, procedimentos, técnicas e atitudes diferentes. Rubens Gerchman revisitou sua própria obra diversas vezes, reformulando, continuando ou mesmo contradizendo trabalhos passados. A partir de 28 de janeiro, na galeria Mul.ti.plo Espaço Arte, um recorte da obra de Gerchman poderá ser descoberto pelo público: a exposição Espaço-tempo reúne 20 obras raras, muito pouco vistas em décadas – entre gravuras, obras em papel, pintura e objeto –, em que o artista trata de sua poética visual. Um tema que teve início no fim dos anos 1960 e perdurou até pouco antes de sua morte, em 2008, aos 66 anos.

As escolhas das obras ocorreram a partir de conversas entre a Mul.ti.plo e o Instituto Rubens Gerchman, fundado em 2010 por seus filhos Clara, Stela, Micael e Verônica. “Pensamos a mostra tendo como conceito essa poética visual que esteve presente em seu trabalho em vários momentos. Não há uma preocupação cronológica, mas conceitual e temática, um recorte sobre como essa poesia esteve presente em diferentes suportes ao longo dos anos”, diz Clara Gerchman, diretora geral do instituto. A exposição traz 13 gravuras, seis obras sobre papel, uma pintura (Now burn, baby, burn, de 1968) e a escultura Ar, de 2000. Esta peça, aliás, representa bem o retorno de Gerchman a um determinado tema: em 1972, ao voltar de um período de quatro anos morando em Nova York, escreveu e dirigiu o filme Triunfo hermético, em 35 mm. Do registro fotográfico do filme derivou uma série de gravuras algum tempo depois. E esta escultura, décadas mais tarde.

“O que mais chama a atenção no trabalho de Gerchman é sua liberdade de experimentação. Ele sempre extrapolou procedimentos, passeava por todas as possibilidades sem se impor um limite. O que vemos na mostra retrata bem isso, em peças que são relíquias de colecionador, pouquíssimo expostas”, afirma Maneco Muller, consultor da Mul.ti.plo. Esta é outra importante característica da exposição: mostrar o que poucos conhecem da obra de Rubens Gerchman.

Estão lá, por exemplo, a série de quatro gravuras da Suíte Triunfo Hermético (Ar, Terra, ManWoman e Gnosis), realizadas a partir do registro do filme; a gravura Nova Acrópole, raríssima; duas versões da litografia Equadorcicatriz; a serigrafia Sofá-grama, de 1973, feita a partir do projeto de uma escultura, não realizada, de um sofá feito com grama verdadeira; a litografia Gramática, de 1974. A série de obras em papel reúne trabalhos também muito raros: Scar, Start, Startis, Pleur Fleur e Acorde a cor em você.

A única pintura exposta, Now burn, baby, burn, exemplifica outro aspecto de sua obra: a questão gráfica. “É uma parte especial de seu trabalho: a força que ele dava às palavras. Como a obra se reforça ao se deparar com uma palavra ou uma frase”, afirma Maneco Muller. Esta, em especial, foi feita no fim da década de 1960 e remete a um cartaz, expondo a ferida americana da Guerra do Vietnã. “Ao lado de Carlos Vergara, Antonio Dias e Roberto Magalhães, Rubens Gerchman, em um gesto transgressor, se apropriou de cenas do imaginário popular ou, muitas vezes, do seu próprio, para descrever a sociedade da época”, completa Muller.

Outro exemplo que estará na mostra é a gravura Monalou – que, como outras da série, humaniza a figura da assassina Maria de Lourdes Leite de Oliveira, conhecida como Lou, e que foi manchete na imprensa nos anos 70. Ao contrário de outras gravuras da série (em que Gerchman mistura um retrato de Lou com os quadros A Negra, de Tarsila do Amaral, e Mona Lisa, de Leonardo da Vinci), esta é muito pouco conhecida pelo público.

No fim do ano passado, o acervo de Rubens Gerchman, a cargo do Instituto, recebeu da Unesco o selo Memória do Mundo – o primeiro artista plástico brasileiro a ter esta nomeação. “Temos como objetivo conservar e divulgar o acervo de Gerchman, assim como sua memória e seu legado às novas gerações”, explica Clara Gerchman, que contabiliza, até agora, 7 mil obras do artista, sendo que mais de 300 fazem parte do acervo do instituto, além de documentação como correspondência, biblioteca pessoal, fotografias e materiais de trabalho.